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Além da pena: o universo pouco conhecido das medidas de segurança no Direito Penal brasileiro

  • Foto do escritor: Eduardo Onofri Pallota
    Eduardo Onofri Pallota
  • 27 de fev.
  • 5 min de leitura
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Você já se perguntou o que acontece quando alguém comete um crime, mas não possui capacidade mental para compreender o caráter ilícito de sua conduta? O sistema penal brasileiro possui uma resposta para essa situação: a medida de segurança. Trata-se de um instituto jurídico fundamental, porém menos conhecido pelo público em geral. Vamos entender esse mecanismo e suas implicações.


Quando o crime existe, mas a pena não se aplica


Quando uma pessoa comete uma infração penal, o sistema judiciário analisa três elementos: a tipicidade (se a conduta se enquadra na descrição legal de um crime), a ilicitude (se é contrária ao ordenamento jurídico) e a culpabilidade (a capacidade do agente de entender e determinar-se conforme esse entendimento).

Uma vez reconhecidos o fato típico e ilícito, confirma-se a existência do crime. Entretanto, a sanção penal aplicável dependerá diretamente do grau de culpabilidade do agente:


  • Imputáveis (pessoas com plena capacidade mental): receberão uma condenação com aplicação de pena.

  • Inimputáveis (pessoas sem capacidade mental para compreender o caráter ilícito do ato): serão absolvidos, mas submetidos à medida de segurança.

  • Semi-imputáveis (com capacidade mental reduzida): dependendo do caso, poderão receber pena reduzida ou, se necessário tratamento especial, serão destinados à medida de segurança.


É importante destacar que, no caso dos inimputáveis, a sentença é chamada de "absolvição imprópria", pois embora haja reconhecimento do fato típico e ilícito, a pessoa não é considerada culpável, sendo, portanto, absolvida. Porém, simultaneamente, há imposição de medida de segurança.


As duas faces da medida de segurança no Direito Penal


A medida de segurança apresenta-se em duas modalidades principais, conforme previsto no Código Penal:


1. Tratamento Ambulatorial


O que é: Consiste no acompanhamento médico-psiquiátrico regular, sem internação, com o comparecimento periódico do paciente a um estabelecimento de saúde para tratamento.

Quando se aplica: É destinada aos casos em que o crime cometido é punível com detenção, ou quando as condições pessoais do agente indicam que esta modalidade é suficiente para seu tratamento e para a proteção da sociedade.

Duração: Como veremos adiante, o Código Penal determina prazo mínimo de 1 a 3 anos, mas a jurisprudência tem entendimentos específicos sobre o prazo máximo.


2. Internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico


O que é: Consiste na internação do agente em estabelecimento com características hospitalares, onde receberá tratamento psiquiátrico adequado.

Quando se aplica: É obrigatória quando o crime cometido é punível com reclusão. Em casos excepcionais, mesmo para crimes puníveis com detenção, a internação pode ser determinada se as condições pessoais do agente a exigirem.

Duração: Também possui prazo mínimo de 1 a 3 anos, com discussões jurisprudenciais sobre o prazo máximo.


Da maquiagem terminológica: manicômios com outro nome


Com o advento da Lei n. 10.216/2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica, houve uma importante mudança na abordagem do tratamento psiquiátrico no Brasil, inclusive para aqueles que cumprem medida de segurança. A legislação determinou o fim dos tradicionais manicômios judiciários, substituindo-os pelos "Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico".

Contudo, é necessário fazer uma análise crítica dessa mudança. Em muitos casos, ocorreu apenas uma alteração na nomenclatura, uma espécie de maquiagem terminológica, sem que houvesse uma efetiva reestruturação desses estabelecimentos. Os antigos manicômios judiciários, em diversas situações, continuaram com as mesmas estruturas físicas, práticas institucionais e problemas, apenas recebendo um nome mais adequado aos novos tempos e menos estigmatizante.

A legislação prevê um tratamento humanizado, com respeito à dignidade do paciente e com foco na sua reintegração ao convívio social. Entretanto, na prática, muitos desses hospitais ainda mantêm características mais próximas de estabelecimentos prisionais do que de unidades de saúde, representando um dos grandes desafios para a efetivação dos direitos das pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei.


O tempo e os limites: quanto dura uma medida de segurança?


Um dos pontos mais controversos sobre as medidas de segurança no Direito Penal diz respeito à sua duração. De acordo com o Código Penal, em seu art. 97, § 1º, a medida de segurança tem prazo mínimo de 1 a 3 anos, mas não estabelece um prazo máximo determinado, estipulando apenas que ela perdura enquanto não for constatada a cessação da periculosidade do agente.

Essa indeterminação temporal gerou intensos debates doutrinários e jurisprudenciais, pois poderia, em tese, permitir a manutenção perpétua de alguém sob medida de segurança, o que violaria o princípio constitucional da vedação de penas perpétuas (art. 5º, XLVII, b, Constituição Federal).

Diante dessa lacuna, a jurisprudência dos tribunais superiores construiu importantes parâmetros.


Entendimento do Supremo Tribunal Federal


O STF firmou o entendimento de que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo de 30 anos, aplicando por analogia o limite máximo previsto para o cumprimento de penas privativas de liberdade (art. 75 do Código Penal, antes da alteração da Lei 13.964/2019, que aumentou esse limite para 40 anos).


Entendimento do Superior Tribunal de Justiça


O STJ adota posicionamento ainda mais protetivo, entendendo que o prazo máximo da medida de segurança deve corresponder ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado (enunciado n. 527 de sua súmula). Assim, se o crime cometido possui pena máxima de 8 anos, a medida de segurança não poderia ultrapassar esse período.


O sistema vicariante brasileiro


O Brasil adota o chamado sistema vicariante no tratamento das medidas de segurança. Isso significa que, para um mesmo fato, o indivíduo será submetido ou à pena, ou à medida de segurança, nunca às duas simultaneamente ou sucessivamente.

Esta é uma evolução significativa em relação ao antigo sistema duplo binário, que permitia a aplicação sucessiva de pena e medida de segurança para o mesmo fato. O sistema duplo binário vigorou no Brasil até a reforma penal de 1984, quando o legislador reconheceu o caráter essencialmente punitivo da dupla imposição, optando pelo sistema vicariante como forma de garantir maior proporcionalidade na resposta estatal.


Quando a doença mental surge durante o cumprimento da pena


Um aspecto importante a ser considerado é a situação em que uma pessoa já condenada e cumprindo pena desenvolve doença mental durante a execução penal. Nesse caso, o art. 183 da Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984) prevê a possibilidade de conversão da pena em medida de segurança.

Se o juiz da execução penal constatar, mediante perícia médica, que o condenado desenvolveu doença mental durante o cumprimento da pena, determinará:

  • A transferência para Hospital de Custódia e Tratamento, em casos mais graves que exijam internação; ou

  • O encaminhamento para tratamento ambulatorial, quando suficiente para as necessidades do paciente.

Conforme o doutrinador Cleber Masson, se a doença for transitória, o condenado retorna ao cumprimento da pena, sendo computado o tempo de tratamento como tempo de execução penal. Na hipótese de ser permanente, ele continuará a cumprir a medida de segurança até ser recuperado ou atingir o tempo máximo.


Considerações finais: desafios e perspectivas


As medidas de segurança representam um complexo ponto de interseção entre o Direito Penal e a saúde mental, exigindo uma abordagem interdisciplinar que nem sempre é alcançada na prática. Embora concebidas como alternativas terapêuticas à pena tradicional, muitas vezes acabam representando uma forma de institucionalização prolongada de pessoas com transtornos mentais.

O grande desafio contemporâneo consiste em garantir que as medidas de segurança cumpram efetivamente seu papel terapêutico, sem se transformarem em instrumentos de exclusão social permanente. Isso demanda não apenas reformas legislativas, mas principalmente uma mudança cultural na forma como a sociedade e o sistema de justiça compreendem e lidam com a questão da inimputabilidade e da saúde mental.

A efetiva implementação dos princípios da Lei da Reforma Psiquiátrica no âmbito das medidas de segurança, o estabelecimento de limites temporais claros e a criação de mecanismos de transição para o retorno à comunidade são alguns dos caminhos necessários para humanizar esse instituto e alinhá-lo aos valores constitucionais da dignidade humana e da reintegração social.




Fontes: Constituição Federal, Código Penal, Lei n. 7.210/84 e, MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - Parte geral - vol.1. 10ª. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: MÉTODO, 2016, p. 947.

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