Escudo Legal: Como as Medidas Protetivas da Lei Maria da Penha Podem Salvar Vidas
- Eduardo Onofri Pallota
- 17 de mar.
- 6 min de leitura

A violência doméstica é uma realidade que afeta milhares de lares brasileiros. Muitas vezes silenciosa e invisível aos olhos da sociedade, ela deixa marcas profundas em suas vítimas. Para enfrentar esse grave problema social, o Brasil conta com a Lei n. 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, um marco legal que revolucionou o combate à violência contra a mulher no país.
Neste artigo, vamos explorar um dos instrumentos mais importantes dessa legislação: as Medidas Protetivas de Urgência. Você saberá quem pode solicitar essas medidas, quais são as modalidades disponíveis, quanto tempo duram e o que acontece quando são descumpridas.
Quando se aplica a Lei Maria da Penha?
A Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Para que uma situação seja enquadrada nesta lei, é necessário que:
A vítima seja pessoa que se identifica como do gênero feminino;
Exista uma relação íntima de afeto, familiar ou doméstica entre a vítima e o agressor;
A violência ocorra no ambiente doméstico, no âmbito da família ou em qualquer relação íntima de afeto.
É importante ressaltar que a violência não precisa ocorrer necessariamente dentro de casa. O que caracteriza a aplicação da lei é o vínculo entre agressor e vítima, podendo a agressão ocorrer em qualquer lugar.
Quem pode ser protegido pela Lei Maria da Penha?
A Lei Maria da Penha foi criada, inicialmente no ano de 2006, para proteger mulheres (biológicas) em situação de vulnerabilidade doméstica e familiar.
Com o passar dos anos, o Superior Tribunal de Justiça foi aprimorando e estendendo o seu entendimento, com a finalidade de ampliar a aplicação.
Atualmente, a Lei n. 11.340/06 tem incidência para os casos de violência contra as pessoas que se identificam como do gênero feminino, independentemente do sexo. Podem ser beneficiárias da lei:
Mulheres de qualquer idade, incluindo crianças, adolescentes, adultas e idosas;
Mulheres transexuais e transgênero que se identificam com o gênero feminino;
Mulheres independentemente de orientação sexual, abrangendo lésbicas, bissexuais e heterossexuais; e,
Gays (tanto o homem como a mulher).
Vale destacar ainda que o Superior Tribunal de Justiça já confirmou em diversos julgados que a Lei Maria da Penha também protege transexuais femininas, mesmo que não tenham realizado cirurgia de redesignação sexual ou alterado seus documentos.
Formas de Violência Reconhecidas pela Lei Maria da Penha
A lei reconhece cinco formas principais de violência contra a mulher:
violência física: qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher, como empurrões, tapas, socos, estrangulamentos, entre outros;
violência psicológica: condutas que causem dano emocional, diminuição da autoestima, prejuízo ao pleno desenvolvimento ou que controlem comportamentos e decisões mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição, insulto, chantagem, ridicularização ou limitação do direito de ir e vir;
violência sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada; que a induza a comercializar ou utilizar sua sexualidade; que impeça o uso de métodos contraceptivos ou force ao matrimônio, gravidez, aborto ou prostituição;
violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da vítima; e,
violência moral: qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, como acusar a mulher de traição, fazer críticas mentirosas, expor a vida íntima, rebaixar a mulher por meio de xingamentos, entre outros.
Medidas Protetivas de Urgência: O que são?
As Medidas Protetivas de Urgência são mecanismos legais criados para proteger mulheres em situação de violência doméstica e familiar, garantindo sua integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Elas têm caráter preventivo e de urgência, podendo ser concedidas pelo juiz no prazo de até 48 horas após o recebimento do pedido.
Existem dois tipos principais de medidas protetivas:
Medidas Protetivas de Urgência que obrigam o agressor
Essas medidas impõem restrições e obrigações ao agressor, visando impedir que ele continue praticando violência contra a vítima. As principais são:
suspensão da posse ou restrição do porte de armas: se o agressor possuir arma de fogo, ela poderá ser apreendida;
afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: o agressor poderá ser obrigado a deixar a residência que compartilha com a vítima;
proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas: estabelecimento de uma distância mínima que o agressor deve manter da vítima;
proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação: o agressor fica impedido de fazer ligações, enviar mensagens, e-mails ou tentar qualquer forma de comunicação;
proibição de frequentar determinados lugares: o agressor pode ser proibido de frequentar locais como o trabalho da vítima, escola dos filhos, entre outros;
restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores: limitação do contato do agressor com os filhos;
prestação de alimentos provisórios: obrigação do agressor de pagar pensão alimentícia;
acompanhamento psicossocial: o agressor pode ser obrigado a frequentar programas de recuperação e reeducação;
monitoramento eletrônico: em casos mais graves, o agressor pode ser obrigado a utilizar tornozeleira eletrônica;
Medidas Protetivas de Urgência à ofendida
Essas medidas visam garantir a proteção da vítima e seus dependentes. Entre elas estão:
encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento: acesso a serviços de apoio psicológico, jurídico e social;
recondução da ofendida e seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor: garantia do retorno seguro da vítima à sua residência;
afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos: quando necessário para garantir a segurança da vítima;
separação de corpos: determinação judicial de separação do casal;
matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio: transferência escolar dos filhos, se necessário;
restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor: devolução de objetos pessoais, documentos, etc;
proibição temporária para a celebração de atos e contratos: impedimento de venda de bens comuns, por exemplo;
suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor: revogação de poderes dados ao agressor;
prestação de caução provisória: garantia financeira para eventuais danos materiais; e,
concessão à ofendida auxílio-aluguel, com valor fixado em função de sua situação de vulnerabilidade social e econômica, por período não superior a 6 (seis) meses.
Prazo de Vigência das Medidas Protetivas
As medidas protetivas de urgência têm validade em todo o território nacional e se mantêm vigentes até serem revogadas por ordem expressa do juiz, após manifestação do Ministério Público.
É importante destacar que não há um prazo fixo para a duração das medidas protetivas. Elas permanecem em vigor enquanto persistir a situação de risco. No entanto, periodicamente, o juiz pode reavaliar a necessidade de manutenção das medidas, podendo as revogar, se não houver mais situação de perigo para a vítima.
Consequências do Descumprimento das Medidas Protetivas
O descumprimento de medidas protetivas de urgência é considerado crime desde 2018 (art. 24-A), com a Lei n. 13.641. As consequências para quem desobedece uma medida protetiva são graves:
prisão em flagrante: qualquer pessoa pode dar voz de prisão ao agressor que descumprir as medidas protetivas;
pena de reclusão de 02 a 05 anos e multa;
aplicação de outras medidas mais severas: o juiz pode determinar o uso de tornozeleira eletrônica ou outras medidas mais restritivas; e,
possibilidade de decretação de prisão preventiva: o juiz pode determinar a prisão preventiva do agressor para garantir a execução das medidas protetivas.
É relevante mencionar que o crime de descumprimento de medidas protetivas não admite fiança pelo delegado de polícia.
Observação: há algumas situações, nas quais é a vítima da violência doméstica quem descumpre as medidas protetivas, por exemplo, envio de mensagens pelo WhatsApp ou se aproxima do agressor. Nesse caso, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o ofensor não cometerá o crime do art. 24-A da Lei n. 11.340/06.
Como solicitar medidas protetivas?
As medidas protetivas podem ser solicitadas:
na delegacia, no momento do registro do boletim de ocorrência;
diretamente ao juiz, através de advogado particular ou defensor público; e,
por meio do Ministério Público.
Não é necessário apresentar provas concretas da violência para solicitar medidas protetivas, uma vez que a palavra da vítima tem maior valor nos casos de violência doméstica, porque ocorridas, muitas das vezes, na clandestinidade (longe dos olhos da sociedade - testemunhas).
Botão do Pânico e Aplicativos de Proteção
Diversos estados brasileiros têm implementado o chamado Botão do Pânico, um dispositivo eletrônico que a vítima pode acionar em caso de aproximação do agressor, alertando imediatamente as autoridades. Além disso, existem aplicativos que facilitam a denúncia e o pedido de socorro.
Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180
O Ligue 180 é um serviço gratuito e confidencial que funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. Ele oferece orientações sobre direitos e encaminhamento para serviços de apoio em casos de violência.
Conclusão
As medidas protetivas de urgência são ferramentas poderosas na proteção de mulheres em situação de violência doméstica. Conhecer esses mecanismos é fundamental para que mais pessoas possam buscar ajuda e interromper o ciclo de violência.
Se você ou alguém que você conhece está passando por uma situação de violência doméstica, não hesite em buscar ajuda. Lembre-se: o silêncio pode perpetuar a violência, mas a denúncia pode salvar vidas.
Fonte: Lei n. 11.340/06 e notícia disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/05042022-Lei-Maria-da-Penha-e-aplicavel-a-violencia-contra-mulher-trans--decide-Sexta-Turma.aspx, acessado em 17/03/2025, às 18h00.










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